Eu sou mulata vaidosa
Linda, faceira, mimosa
Quaes muitas brancas não são!
Tenho requebros mais belo
Se a noite são meus cabelos
O dia é meu coração!
Sob a camisa bordada
Fina, tão alva, arrendada
Treme-me o seio moreno!
É como o jambo cheiroso
Que pende ao galho formoso
Coberto pelo sereno!
Nos bicos da chinelinha
Quem voa mais levezinha
Mais levezinha do que eu?
Eu sou mulata tafula
No samba, rompendo a chula
Jamais ninguém me venceu!
Ao afinar da viola
Quando estalo a castanhola
Ferve a dança e o desafio!
Peneiro não'um mole anseio
Vou mansa não'um bamboleio
Qual vai a garça no rio!
Os moços todos esquiva
Sendo de todos cativa
Demoro os olhares meu!
Mas, se murmuram: Maltida
Bravo, mulata bonita!
Adeus, meu yoyô, adeus!
Minhas yayás da janela
Me atiram cada olhadela
Ai dá-se mortas assim!
E eu sigo mais orgulhosa
Como se a cara raivosa
Não fosse feita pra mim!
Na fronte, ainda que baça
Me assenta o torço de caça
Melhor que croa gentil!
E eu, posso dizer ufana
Que, qual mulata bahiana
Outra não há no Brasil!
Nos meus pulsos delicados
Trago corais engraçados
Contas d'ouro e coralinas!
Prendo meu pano á cintura
Que mais realça á brancura
Das salas de rendas finas!
Se arde um desejo agora
De meus efeitos senhora
Sei encontrá-lo no amor!
Minh‘alma é qual borboleta
Que voa e voa inquieta
Pousando de flor em flor!
Meus brincos de pedraria
Tombam, fazendo harmonia
Com meu cordão reluzente!
Na correntinha de prata
Tem sempre e sempre a mulata
Figuinhas de boa gente!
Eu gosto bem d'esta vida
Que assim se passa esquecida
De tudo que é triste e vão!
Um dito repenicado
Um mimo, um riso, um agrado
Cativam meu coração!
Nos presepes da Lapinha
Só a mulata é rainha
Meiga a mostrar-se de novo!
De minha face ao encanto
Vai-se o fervor pelo santo
Pra o santo não olha o povo!
Minha existência é de flores
De sonhos, de luz, de amores
Alegre como um festim!
Escrava, na terra um dono
Outro no céu sobre um trono
Que é meu Senhor do Bomfim!